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Vai comprar um imóvel à beira mar? Já ouviu falar em Terreno de Marinha?

Vai comprar um imóvel à beira mar? Já ouviu falar em Terreno de Marinha?

Entender os detalhes, riscos e implicações dos terrenos de marinha no Brasil é fundamental para qualquer pessoa que esteja considerando adquirir uma propriedade na faixa litorânea.

Inicialmente merece destaque a informação de que esses terrenos não são propriedade das Forças Armadas, como o próprio nome faz pensar, na verdade são imóveis pertencentes à União. Eles têm uma história que remonta ao tempo do Brasil colônia, instituídos para a coroa portuguesa como uma área de espaço livre para utilização na defesa e instalações de serviços públicos e particulares. Com a transformação em República tornaram-se patrimônio da União sendo atualmente gerenciados pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU).


Os Terrenos de Marinha encontram-se hoje regidos pela Constituição da República de 1988, pelo Decreto 9.760/46, pela Lei 9.636/1988 e pelo Decreto 9.725/2001 e são em regra bens dominiais da União sujeitos ao regime da enfiteuse constituindo-se em bens de uso comum do povo ou bens de uso especial

Justamente por serem imóveis da União, sua comercialização entre particulares envolvem algumas questões importante, até porque eles não deixam de ser da União em uma compra e venda por exemplo.

A definição oficial dos terrenos de marinha é estabelecida pelo Decreto 9.760/46, que define uma faixa de 33 metros medida a partir da Linha de Preamar Média de 1831. Esse critério envolve tanto elementos geográficos quanto temporais, criando uma área específica ao longo da costa que é considerada terreno de marinha. O critério geográfico é definido pela distância de 33 metros da linha média de preamar que é definida pela variação das marés cheias. O critério temporal é fixado pela tábua de marés usada para essa definição datada de1831.

Essa definição temporal (1831) toma importância crucial, pois muitas áreas atualmente distantes do mar podem estar sob o regime de terreno de marinha. Isso porque muitas áreas foram aterradas, alongando muito a faixa de areia original, tendo algumas por mais de um quilômetro do tamanho original. Mas mesmo o imóvel estando há mais de 1000 metros de distância, ainda assim será terreno de marinha, pois a linha de preamar será definida pela linha da variação das marés de 1831, ou seja, quando não tinha o aterro.

E o que isso implica em negócios jurídicos que envolvam imóveis em terrenos de marinha? O que é fundamental para um comprador de uma propriedade na beira do mar entender é a diferença entre os regimes de aforamento ou ocupação que são submetidos os Terrenos de Marinha. No regime de aforamento, o particular detém o domínio útil do terreno, enquanto o domínio direto continua sendo da União. Isso significa que o proprietário particular possui direitos de uso, gozo e disposição, o que permite que o terreno seja dado em garantia para financiamentos e até mesmo possibilita a usucapião do domínio útil, sujeito a certas condições, ou seja, ele está mais protegido juridicamente. O valor da enfiteuse é de 0,6% de do valor do imóvel por ano e é pago à União. Embora as enfiteuses tenham sido extintas pelo código civil de 2002, a de Terreno de Marinha continua em vigor.

Por outro lado, no regime de ocupação, o particular não possui a posse efetiva, apenas uma mera detenção. A ocupação é precária, e a União pode solicitar a devolução do imóvel a qualquer momento, sem a obrigação de indenizar o ocupante o valor do terreno, apenas indenizando as benfeitorias realizadas. Sob o regime de ocupação, o particular paga uma taxa anual de 2% do valor do imóvel fixada pela Secretaria de Patrimônio da União.

Por isso, um dos cuidados a serem tomados é se saber o regime que se encontra o imóvel junto a Secretaria de Patrimônio da União, para se mensurar os riscos do negócio que irá realizar.

Importante falar que é possível transformar um imóvel que esteja em regime de ocupação em regime de aforamento. É um processo demorado e que se sugere ser feito por um escritório especializado. Além disso, nem todos os bancos aceitam o domínio útil em garantia quando se trata de terrenos em regime de ocupação, o que pode limitar as opções de financiamento para os proprietários.

Portanto, para quem deseja adquirir ou lidar com imóveis na beira do mar, uma diligencia prévia sobre o histórico jurídico desse imóvel por um advogado especializado é essencial. Pois isso envolve verificar a situação do imóvel junto à SPU, consultar imobiliárias locais e o registro de imóveis para obter informações detalhadas sobre a propriedade. Isso porque na maioria das vezes não consta na matricula do imóvel que se trata de um terreno de marinha ou o regime que ele se encontra.

O Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), que é o número de registro do imóvel junto à SPU, pode fornecer informações importantes. Caso não haja um RIP, é necessário solicitar uma certidão de domínio à SPU e, se não houver registro, um memorial descritivo com georreferenciamento deve ser elaborado, juntamente com um pedido à União para determinar a propriedade.

Isso porque os cadastros da SPU e do Registro de Imóveis não se conversam e, como dito, raramente se encontra a informação na matrícula do imóvel a informação de que se trata de Terreno de Marinha ou o se o regime é de ocupação ou aforamento.

Trata-se, inclusive de assunto sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça a oponibilidade do Registro de Imóvel à União em relação ao Terreno de Marinha. A Súmula 496 do STJ diz que os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União. Por isso a necessidade de uma diligência prévia de imóveis à beira mar, pois o fato de não constar de forma pública no Registro de Imóveis não pode ser alegado como matéria de defesa pelo adquirente do imóvel.

As transações envolvendo terrenos de marinha geralmente são mais caras devido às taxas de ocupação e/ou laudêmio (que é 5% do valor do bem excluídas as benfeitorias e que é paga à União), além do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e à necessidade de obter uma Certidão de Autorização de Transferência da União (CAT) para autorizar a transferência junto à SPU.

Em resumo, adquirir um imóvel na beira do mar envolve considerações legais e financeiras complexas devido à existência dos terrenos de marinha. É muito importante que os compradores de um imóvel a beira mar saibam que se trata de um terreno de marinha e estejam cientes se o regime instituído pela União sobre o imóvel é de aforamento ou ocupação. Assim, investigar minuciosamente a situação legal da propriedade e buscar orientações de profissionais especializados em direito imobiliário trazem mais segurança ao negócio. O cuidado e a diligência adequados podem garantir uma transação segura e bem-sucedida na bela faixa litorânea brasileira.

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